quinta-feira, 28 de maio de 2009

Já diria Noel: quem acha vive se perdendo


Sobre a pele Sobre a pele Sobre a pele
Objetos Objeto Objeto


JÁ DIRIA NOEL: QUEM ACHA VIVE SE PERDENDO


Encontrando novos caminhos, a artista plástica Elieni Tenório investe em nova obra com o mesmo caráter feminino.


Cansada de acusações levianas que pretendiam colocar a arte que desenvolve como "cópia" da desenvolvida por outra artista, a artista plástica Elieni Tenório resolveu investir ainda mais profundamente no universo sexual/sensual, uma das mais fortes características da temática que há muito desenvolve. Elieni não comenta o que ouve, nem o que houve, o que as pessoas levam a ela para que se "sinta mal, constrangida, irritada, magoada. Prefiro responder com o meu trabalho". Este, diferente do que vinha produzindo, acabou com as "fofoquinhas" ganhando um dimensão assaz interessante, a começar por um belo oratório onde os santificados nomes são pessoas comuns em atitudes triviais, em prazeres absolutamente mundanos. Um aparte, quem corrobora com esse tipo de comentário deveria entender que problemas entre duas pessoas por elas devem ser tratados.
Desde sua mostra "Suburbano Coração" (1998), uma leitura do sentimento do povo mais simples, do povo do subúrbio, a artista está cada vez mais interada e interessada nesses sentimentos que afloram nas prostitutas e nos homens debruçados sobre a mesa de bilhar. Elieni não abandonou a condição da mulher, ao contrário, questiona cada vez mais, como se em uma página policial de jornal, por que as mulheres são sempre as eternas vítimas? Afirma categoricamente que se os homens matam por "contrato", por terras, bebedeira: as mulheres matam por dor, humilhação. Assim, enquanto os homens matam desconhecidos; pelos maltratos, pelo amor, mulheres matam seus amantes, suas amigas, seus filhos, como Medéia que por vingança assassina os dois filhos do homem que ama e que abandonou.
A arte de Elieni nutre-se especialmente dessa realidade cruel, ao tempo em que é alegre, descontraída, apaziguadora. São dias de folga, domingos de intensa religiosidade, anjinhos em caminhões sendo levados pelo caminho da fé (o que não deixa de nos despertar sentimento similar à genial procissão que Jorge Amado descreveu em "Gabriela Cravo e Canela"). Muito do que registra no subúrbio daqui a um tempo vai acabar, certamente ficando restrito ao interior do estado, a expressão mais genuína, como as fotografias, os registros, que a fotógrafa Elsa Lima executa. Aliás, Elsa provou que em sua fotografia essa atitude não era simples modismo. Está-se vivendo uma época fundamental para esse tipo de balanço.

De Bacon a objetos não identificados

Talvez o grande pecado de Elieni Tenório tenha sido deixar se influenciar pela poética do pintor Francis Bacon. Na exposição "Essência do Feminino" (2002), que compreendia produção de anos imediatamente anteriores, a solução espacial compreende muitos espaços assemelhados aos que Bacon inaugurou. Nada contra as influências, depois de Billie Holiday, que cantora de jazz cantou como anteriormente cantava?. O problema é que os diálogos, geralmente frustados, das personagens de Elieni acabam diluídos em atmosfera por demais conhecida dos que conhecem a obra daquele que levou o cineasta Bernardo Bertolluci a utilizar suas telas na abertura de "O Último Tango em Paris". Há telas geniais dessa fase que não condizem nada com os trabalhos de "Sob Medida" (2002), onde a solução de optar por delimitação do universo através de círculos, que lembram as telas de bordados, acabam vulgarizando a fala.
Recuperada, Elieni fez a série de "OVNIs" (“Objetos não Identificados”, uma vez mais a obra ligada à música popular (trata-se da canção de Caetano Veloso, imortalizada na voz de Gal Costa). Nessa, fase, o que se vê não é o que verdadeiramente é visto. O que se percebe, entre veladuras e cortes e suturas é um mundo interno, como se um ventre após uma cesariana ou uma vagina costurada após o ataque brutal de um estuprador. É o universo feminino, sem dúvida, só que desta feita Elieni nos mostra esse universo em sua face mais cruel.

De Caetano Veloso a Noel Rosa

A grande surpresa é que o universo de Noel Rosa, há muito indicado à artista como próximo demais ao seu, encontrar-se-á, desta feita, plenamente representado. Não é uma leitura direta, formal, mas uma investigação do sentimento da marginália carioca - uma "Ópera do Malandro"? -, certamente que não. A artista busca esse universo, os Arcos da Lapa, os cassinos, os boteco-tecos, da mesma forma que representa os nossos adoráveis cabarés com paredes de cores múltiplas. Certa vez, ao ouvir os versos de Noel, "Pobre de quem já sofreu nesse mundo, a dor de um amor profundo. Eu vivo bem sem amar a ninguém, ser infeliz é sofrer por alguém. Zombo de quem sofre assim, pois quem me fez chorar hoje chora por mim, quem ri melhor é quem ri no fim", Elieni explodiu: "É a minha cara".
A tela mais esperada, contudo, é uma imensa "Dama do Cabaré", escrita por Noel que relata um amor que não deu certo porque, como diz a personagem, "quem é da boêmia, usa a abusa de diplomacia mas, não gosta de ninguém". O que Elieni pretende, além de representar essa fantástica atmosfera, é retratar alguém muito famoso no rosto da Dama. Quem encontrar-se-á retratado? Muitos apostam que será o famoso travesti Madame Satã, afinal, há quem garanta que o clássico do poeta da Vila foi composto para um homem. Nada disso vem ao caso.
A exposição da qual Elieni fará parte está muito mais voltada aos Objetos Não Identificados, uma poética plena de mistérios, plena de veladuras, mas que leva o espectador aos sentimentos iguais ao de “Suburbano Coração” e tantas outras experiências. Mas, uma vez mais a dúvida, a curiosidade se mantém como poucas vezes se viu em nossas artes, de quem, afinal, será o rosto da “Dama do Cabaré”, justo a que preferiu ir para casa a pé?


Cláudio de La Rocque Leal
Jornalista/Crítico de Arte
Belém - 2003

Nenhum comentário:

Postar um comentário