quinta-feira, 28 de maio de 2009

As razões do corpo


Pela própria natureza Sob Medida Sob Medida
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AS RAZÕES DO CORPO

O olhar ciclópico de Elieni Tenório capta, em sua totalidade, a anedota do real, pois descreve uma outra vida que não aquilo que somos, mas que faz parte de nós, como nosso contrário, que está sempre tão próximo.
De “Suburbano Coração”, sua primeira individual, ano passado, a este “Espelho s da Alma”, realiza-se uma coreografia erótica pelos vãos e desvãos das cores: lúdico volteio da dança-pintura de comunhões e perversões, tudo em meio às marcações quase teatrais de um jogo do desejo, em que a recusa e o prazer são violentos espasmos, pausas, hiatos, rupturas. Fetiches de uma obra de atmosfera sempre sexual.
A pintura de Elieni Tenório nos reserva a surpresa desses abismos que se abrem aos prazeres insensatos ou às grandes dores que, como se sabe, podem ser mudas. Homens e mulheres vivendo uma infelicidade inexplicável e incompreensível.
Marinheiros, homens de negócios, vagabundos, prostitutas. Todos sem nome. Um é a cópia do outro, cabendo a todos, nesse mergulho oscilante do Eu, fingir que pertence ao mundo. Recordando a fragmentação da poesia de Pessoa, quando afirma por Álvaro de Campos: “Multipliquei-me para me sentir”.
“Espelhos da Alma” reflete e especula abissais conflitos humanos, quer desvendar as razões de não ser, para isso a artista luta com o que nos nega com as próprias mãos. Nesta exposição, fica perceptível sua narrativa do abandono, coesa e com lastros pictóricos e literários precisos, já que não busca ser, como equivocadamente apontaram, apenas uma “cronista visual” da cidade. Similar a Orfeu, a Dionisio, fragmentados para a transcendência, a artista mergulha no fundo de cacos e do caos para engendrar seu cosmos.
Aqui, não são as fúrias das bacantes da Trácia, dilacerando Orfeu. Nem os rituais do bode, simbolizando o desdobramento dionisíaco. São os fantasmas internos enfurecidos, estraçalhando-se no soturno quarto de soterradas saudades. O corpo entregue à penosa tarefa de existir.
Razões e desrazões; jogo do desejo e jogo de poder; duplos e antípodas; olhos afogados na distância. Assim se cotidiano narrado por Elieni Tenório com as cores da penetrante nudez, como uma espécie de arqueologia do ser entre o sim e o não, o verso e o anverso, o certo e o errado, o sagrado e o profano juntos, num núcleo revelador que pretende pôr a imagem no centro de tudo.

Ney Paiva
Poeta e Artista
Belém - 2002

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