quinta-feira, 28 de maio de 2009

Costurando Arte Entrelinhas


Série de objetos na exposição
Objetos

COSTURANDO ARTE ENTRELINHAS

No começo, era, na obra da Elieni pintora, a crônica visual de “suburbanos corações”. Entre olhares fortuitos e cheios de intencionalidade, homens e mulheres dividiam o tempo e o espaço da pintura, em quadros que materializavam o precário, o cotidiano povera, que se multiplica nas periferias de cidades brasileiras. O periférico, que invadia o espaço sacralizado da arte, causou no principio um certo constrangimento. Dividiu contempladores. Para alguns, a pintura era suja e feia; pouco acabada; algo para ser apagado. Para outros, o passado guardado; querido; e, algumas vezes, extraviado dos álbuns de família das classes, hoje, abastadas da sociedade paraense. Foi, provavelmente essa dessacralidade, que fez de “Suburbano Coração”, um marco na trajetória de Elieni. Algo de tão bom e tão cruel aconteceu ali. Seus pares a execravam, a crítica se dividia, os colecionadores se deliciavam em comprar os quadros na galeria do CCBEU.
Obviamente, na “Entrelinhas”, o principio se une ao fim. E este final é demarcado pela escolha da autora em apresentar um dos quadros que figurou em “Suburbano...”, o qual para ela manifesta-se como a origem destas inquietações poéticas. Digo poéticas deliberadamente, pois, é exatamente nesta abordagem que a linha curva-se sobre seu próprio eixo e a autora constrói, para si, um território do possível, entre a figuração e o abstrato, no domínio do desenho de desejos. Onde ela ousa possuir corpos, macerar peles, tatuar uma nudez pictórica, que é, também, desenho estruturado, no contexto geometrizante de linhas simbólicas. Misto de um repertório cultural primitivo, evocado de sua relação com a vida e com o ofício de ser uma simples costureira. Em suportes inusitados, duvidosos para o repertório corrente da pintura, impregnou a textura de peles, cor de pele, nudez de corpos tatuados, vestidos em sua própria necessidade criativa, subtraídos de seus sonhos de emancipação.
Essa artista personifica, nestas elucubrações estéticas, o perfil de uma heroína da periferia de todos os lugares. Uma construtora de fatos artísticos, daqueles que subvertem os temas grandiosos, que chocam e fascinam, que explodem em notas visuais como um perfume de mulher. Feminina, abstrata, Elieni segue, neste recorte imaginário, traçando trajetos por entre e sobre tudo. A sua mística não nega o que veio antes. Ela não tenta ser, ela é, em qualquer lugar, uma personagem para deleite de si mesma. Diverte-se com suas pequenas tragédias cotidianas. Pinça-as para sua arte. Desfaz de si mesma, e se refaz, no momento seguinte, de uma forma picaresca. A arte é sua catarse, seu começo-meio de vida. Nela se aglutina o poder do devir, a reverencia e a irreverência, a liberdade de divinizar-se e humanizar-se, sem censura. Uma artista de gosto popular. Duvidoso? Escrachado? Pode ser. Uma artista que costura idéias. Uma costureira que idealiza o inusitado. Tudo, a um só tempo.
Entre linhas, Elieni. Desenha? Pinta? Tanto faz! E Tanto fez que nesta mostra desnuda um corpo sem contorno espetacularizando a arte sem pudor de si ou de outros...

Lídia Souza
Curadora da Mostra
Belém - 2006

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