quinta-feira, 28 de maio de 2009

Perto de um coração periférico


Espelho da alma Toma, não diga nada a ninguém Perto de um coração periférico
Objeto Objeto Pintura s/Tela


Perto de um Coração Periférico

O universo de Elieni Tenório deságua na mais perfeita harmonia musical. Os trabalhos possuem uma forte carga emocional voltados para a musica como tradução de um mundo por vezes burlesco, por outros onírico, que a artista traça com equilíbrio e segurança da forma. Esta, propositalmente distorcida a exemplo de alguns trabalhos de Francis Bacon, mesmo que os de possuem um traço regional muito forte.
Elieni considera seu campo brega, mas não o brega na semântica deturpada, e sim no sentido de um reflexo amargo ou doce, por vezes encharcado de perfume barato, da vida exatamente como ela é, ou aparenta ser. Existe um sósia, digamos assim do trabalho de Elieni, só que no campo musical, Noel Rosa, que através de suas composições esquadrinhou todo o universo da Lapa e arredores, o que significa coração periférico.
A artista plástica Elieni Tenório, quando optou por denominar a sua futura mostra de “Coração Periférico”, pensava exatamente nesse universo noeliano, onde quase tudo é noite, sedução, cor de cinza e muito luxo e muita luxúria, como também dar continuidade `as experiências da mostra que inaugura nesta sexta, 22, na Galeria de Arte da Unama.
De qualquer forma não é de hoje que ela adentrou no mundo de Noel: um amigo indicou e ela compreendeu a similitude daquela fala poética aparentemente suburbana, porém com requinte e sofisticação de sentimentos. Sensível, escutou a gravação que Nelson Gonçalves fez de “A Dama do Cabaré” e ficou extasiada” o que Noel queria dizer e disse, é o que eu quero dizer” e já está dizendo. O que pode aparecer efeito retroativo nada mais é que a captura de um universo pelo outro, ou que Oswald de Andrade entendeu como a antropofagia. Elieni hoje relê uma cultura popular.
Os versos de Noel discorrem sobre um encontro entre um homem e uma mulher, em um cabaré na lapa, boêmia do Rio de Janeiro, dona do pedaço que fuma e derrama champagne, como nos bons tempos, em seu soiré. Elieni sempre constrói sua estética no universo popular: já são três universos em intercepção. Do popular, como leitura da fé, estranhamente recriada, e para executar seus personagens, a forma distorcida, simplificada, em busca de uma estética própria e contemporânea. Isso é importante em um artista e ela possui essa busca infatigável de poder denunciar, falar, provocar e ainda lutar contra forças contrárias, que buscam fazer com que desista de tudo, ou de qualquer coisa. Ela não desiste de nada.
Por sorte a artista é firme e tem um discurso articulado, bem estruturado em seu trabalho, o que impede a invasão de penetras e outros assaltantes de idéias e do sucesso alheio. Quanto a esse tipo de patrulhamento, uma das atitudes mais retrógadas das que existem, Elieni tem uma afiada resposta na ponta de língua, “quando eles vêm com eu acho que você deveria fazer isso ou aquilo, falo como falou Noel, “quem acha vive se perdendo”. Por isso só acredito, tenho fé”.
Esse fervor, essa fé, está no traçado de seus trabalhos que leva à Galeria da Unama com toda tranqüila forma de ser de seus personagens criados em instante de puro lirismo, quando Elieni se transporta para outra dimensão e consegue realizar a construção de um mundo que não pode ser igualado, posto que é único. E dele depreende-se toda a sonoridade de um samba-canção. Estilo Noel, quando se dança um samba e troca-se um tango por uma palestra e só se sai do cabaré uma hora depois de descer a orquestra. Nesse delírio elítico e lírico, Elieni anda segura.

Cláudio De La Roque Leal
Jornalista e curador
Setembro - 2000

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